domingo, 21 de novembro de 2010

ACUPUNTURA: Considerações e reflexões sobre a Tradição e a Terapêutica.

PARTE III


Foto: MauriciTFSantos, Caxambu,2010

Continuando nosso artigo anterior, trazemos aqui algumas considerações:
Como alimentamos as idéias, como as digerimos e a que e como dedicamos nossa inspiração 
Boa leitura!
                Perceba então que, a partir de uma concepção “simples” de um sistema binário, podemos entender nossa existência, que se move por meio e com a essência do sopro original de forma interdependente e indispensável, criando, construindo e desconstruindo constantemente o visível e o invisível. A interrupção e privação de qualquer uma das três fontes primordiais é incompatível com a vida tal qual a conhecemos.

                 Chi possui uma quantidade, por certo, mas estamos aqui dialogando sobre seu potencial qualitativo. E do que depende sua qualidade? Do ar que respiramos, dos alimentos que ingerimos e de nossa energia ancestral que recebemos de nossos antepassados (também chamada de Céu Anterior). Nossa qualidade de vida dependerá, portanto de como respiramos e nos alimentamos (isso inclui como alimentamos as idéias, como as digerimos e a que e como dedicamos nossa inspiração). 

                 A maneira com que lidamos com a energia ancestral, ou seja, como a usamos em função de nossas escolhas e livre arbítrio, definirá nossa qualidade de vida. No corpo saudável as energias convivem em estabilidade, ainda que às vezes temporariamente longe do estado de equilíbrio, proporcionando um estado que nós ocidentais chamamos de homeostase ou equilíbrio fisiológico. Contudo muitos fatores podem alterar uma ou mais destas funções. Podemos citar, por exemplo, a forma com que percebemos e construímos nossa realidade objetiva e subjetiva; a forma com que agimos; os estressores ambientais a que nos expomos; a qualidade de atenção que damos a cada manifestação e ao significado que damos à nossa corporeidade. 

                Dependendo da força, persistência e qualidade da perturbação, haverá desconforto, descontinuidade, interrupção e perturbação dos canais (meridianos) supridos por Chi. Na ânsia de retornar a situação de equilíbrio, os meridianos (nós) tentam se ajustar, cedendo ou retirando energia entre eles para manter as funções orgânicas vitais, considerando as prioridades, ciclo de produção, de dominância e hierarquias. 

                De uma maneira geral podemos dizer que as doenças surgem na medida em que há desequilíbrio (insuficiência ou excesso) na relação Yin e Yang dessas trocas em nós, ou em nossos meridianos. Por serem agressões muitas vezes discretas, escondem as desordens tornando-se assintomáticas, mas secretamente vão “construindo” a doença. Por vezes, no entanto, por estarmos com as defesas enfraquecidas, as energias agressivas podem acometer o indivíduo de um só golpe, causando sinais ou sintomas imediatos. Muitos devem ter exemplos de passagens deste tipo em suas vidas, não é mesmo?    

                Qual seria então o papel da Acupuntura? Restabelecer o equilíbrio, agindo como co-auxiliar, facilitadora ou ainda “verdadeira” enzima que cataliza as reações curativas via estabilização do balanço energético nos ciclos dos meridianos. De que maneira? Com estímulos em pontos específicos do corpo, facilitando o “diálogo” entre os diversos vasos energéticos, permitindo que Chi se expresse em toda sua amplitude. Com isto a vitalidade é redistribuída de forma compatível com o que escolhemos no “andar de nossa vida”, o que exemplifica bastante os diferentes desfechos de cada caso.

Até a Próxima... 


...
 

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

ACUPUNTURA: Considerações e reflexões sobre a Tradição e a Terapêutica. PARTE II

Continuando nosso artigo anterior, trazemos aqui algumas considerações a respeito do Yin e do Yang. Boa leitura!



O símbolo circular mostra duas marcas em forma de gotas, uma preta e outra branca, que se interpenetram, se complementam e se contemplam, uma invadindo a outra, inspirando movimento de expansão, quando girado no sentido horário e de contração quando girado no anti-horário. A imagem preta significa o Yin e a branca o Yang. Em cada uma delas há um ponto com a cor oposta significando que o Yin contém a semente do Yang e o Yang contem a semente do Yin. Um elemento não existe sem o outro e não existe nada, como fundamento da tradição, que possa ser exclusivamente Yin ou Yang.  Só esta figura, sem dúvida emblemática e repleta de significados, é um rico e extenso tema para a Semiologia e a Sinologia. De certo começaríamos afirmando que ela é um dos mais formidáveis e raros símbolos da engenhosidade humana, que expressa o todo e a parte vivendo em harmonia, em contraste e em constante mutação: contraria sunt complementae (os contrários se complementam). Este ícone deveria ser visto como uma bola tridimensional, mas bidimensionalmente ainda indica a concepção de sua criação, ou seja, a de uma constante integração entre uma força e sua contraparte, expandindo ou contraindo, cada qual levando em si a semente da outra.
É um símbolo que representa muito bem o conceito de integralidade e com isso dá pistas de como seus idealizadores percebiam o mundo em que viviam e a si próprios. Tudo está interconectado e é interdependente. Temos então uma primeira percepção do que é a Acupuntura apenas por entender um pouco suas origens e os significados de um código.

Nossa primeira dificuldade a expor, contudo, é que a tradição Chinesa não propõe verdadeiramente um saber, no sentido contemporâneo do termo. E é justamente aí que começam algumas dúvidas que parecem intransponíveis. Por isso a necessidade fundamental de debruçarmos um “olhar” diferenciado para “entender” as bases da Acupuntura. No vasto sistema que ela expõe, sobretudo no modo analógico de interpretação, os fundamentos não se baseiam em objetos ou quantidade em si, mas essencialmente em certas qualidades específicas da experiência humana que transcendem o saber e por este motivo provoca-nos uma discussão de como aprendemos a saber. Nisto reside boa parte da sabedoria. Assim, todo ser humano é um ente que une as essências do Céu e as da Terra e torna possível tudo o que daí brota e ao mesmo tempo constrói em seu centro (localizado no abdomem), chamado de “campo cultivável”, o essencial para ser um elo integrador, nutrido e nutridor, entre o que está acima e o que está embaixo de si.
Sem que haja, isoladamente, um “lá em cima” e outro “lá em baixo”, existe um “meio” onde as energias celestes e terrestres se encontram e formam uma grande família. Não é por coincidência que o país ou região de onde estas idéias floresceram não se chama exatamente China, mas País ou Povo do Meio. O Prof. Eyssalet em sua obra “Shen ou o instante criador” traduz uma passagem interessante: “...a unidade é a gênese da transformação das formas. O aspecto claro e leve em ascensão forma o Céu; o obscuro descendente forma a Terra; o sopro harmonizado do surgimento central constitui o ser humano...”.
Do encontro desses quantuns energéticos, do que está no alto (Céu), de magnitude Yang, com o que está embaixo (Terra), de magnitude Yin, junto com o nosso quantum {uma mistura da energia ancestral do pai(Yang) com a mãe(Yin)} surge uma das derivações mais importantes para a compreensão e uso da Acupuntura: a idéia da energia vital ou Chi (também conhecida como Qi ou Ki).

Uma vez formada pela união destas três fontes primordiais, Chi é distribuída para todo o organismo. Das três fontes, duas são renováveis: a do Céu, que traz a informação no ar que respiramos; a da Terra, que traz o alimento que ingerimos, e uma não renovável, que é a nossa energia ancestral, situada na região entre os Rins. A união das três energias, com-formam o Chi que vai carregar nutrientes e energia, ambos investidos de informação material e imaterial e nutrir tudo o que entendemos como corpo. Ela vai navegar, explorar, passear, surfar e distribuir-se assim como (aqui entra um sincretismo) o sistema arterial, venoso, linfático ou nervoso, por canais ou trajetos chamados de “meridianos”. Para ser mais exato ou didático, há uma divisão deste Chi em energias Yong e Sangue (nutridoras) e Wei (defensiva), que não exploraremos neste momento. O pensamento Chinês não separa mente de alma ou espírito. Existe uma manifestação das essências, como vimos, em constante fluxo e refluxo. A energia que circula pelos vasos, rios, mares, vales de nosso organismo sustentam, são sustentadas e se auto engendram reciprocamente e em retroalimentação, analogamente ao que conhecemos como autopoiese. Inauguram e mantém as entidades viscerais que “regem” cada segmento interdependente e são representadas no Shen do Coração, I do Baço e Pâncreas, Pro do Pulmão, Zhi do Rim e Roun do Fígado. A grande família se faz interconectando-se com uma rede mais superficial ou mais profunda, com ligações de passagem, colaterais entre outras, dentro de uma cadeia (teia) de meridianos, dos quais podemos citar 12 bilaterais e 2 únicos. Os 12 meridianos principais são apresentados a seguir, cada um (Yin) com aquele que atua de forma acoplada (Yang): Coração e Intestino Delgado; Baço-Pâncreas e Estômago; Pulmão e Intestino Grosso; Rim e Bexiga; Fígado e Vesícula Biliar; Circulação-Sexualidade e Triplo-Reaquecedor e finalmente um ventral e um dorsal: Vaso Concepção e Vaso Governador.      


Na próxima semana daremos continuidade nesta maravilhosa viagem pelos meridianos chineses.

Até lá então.


Maurici TF Santos 

domingo, 7 de novembro de 2010

ACUPUNTURA: Considerações e reflexões sobre a Tradição e a Terapêutica. PARTE I


Primeira Parte 

Durante algumas semanas vamos falar da história da Acupuntura. Neste primeiro texto, traremos alguns conceitos dos seus primórdios. 




Não é fácil expor, em poucas palavras, a intenção profunda de uma obra como a Acupuntura. É plausível dizer que quase tudo o que se sabe sobre ela começa com lendas muito antigas. Fu Xi e Hwang Ti foram representantes das comunidades de tribos da sociedade primitiva Chinesa há cerca de 4.000 anos atrás. Muito do que conhecemos vem deste tempo, ou talvez de épocas mais remotas ainda. Para se ter uma pequena idéia de como o conhecimento se transmitia nos seus primórdios, há escritos do Imperador Amarelo (2700-2100 aec) preservados em cascos de tartaruga.  Após este período novas reflexões foram formuladas e incorporadas à Tradição pelas dinastias Chia, Shang, Tsou, Chin, Han, Sung, Ming entre outras. Consideramos oportuno chamar todo este “capital da elaboração humana” de “Tradição” uma vez que o termo “Filosofia” está mais adequadamente relacionado com a produção intelectual específica da Civilização Helênica. Portanto tratamos neste artigo da Acupuntura segundo a Tradição Chinesa e não de Filosofia Tradicional Chinesa, como vemos amiúde em discursos, conversas e textos na área.  Parece ser excesso de preciosismo, contudo é bom notar que nomear esta forma de pensamento de “Filosofia”, não deixa de confirmar a tendência que nós ocidentais temos em optar pelo sincrético e não pelo sintético, o que é muito compreensível. Não desqualificamos nem um nem outro modo de abordagem, mas de certo é bom definirmos nossos termos para manter a coerência quando nos expressamos, neste artigo, de uma ou de outra forma.    

É preciso certa dose de abstração para entender o que é esta tradicional e ancestral arte Chinesa. 
Se formos sincréticos o texto ficará mais agradável, por usarmos conceitos mais familiares. Estaremos “ocidentalizando” o “oriental”. Contudo esta abordagem perde muito da “essência” da tradição, e acrescenta uma dose de traição, em favor da inteligibilidade. Por outro lado se formos muito sintéticos, pode ser que o leitor ache tudo muito vago, ambíguo e sem sentido. Optamos por um texto temperado e balanceado.

 
Para melhor apreender as bases da Acupuntura é preciso contextualizá-la na visão de mundo de onde ela emerge e floresce. Este exercício certamente significa qualificar as concepções e o imaginário Taoísta, particularmente no que concerne a cosmologia e conseqüente valorização da idéia de “unidade”, tão cara ao conceito de “TAO”. Neste processo “unificante” percebemos (e aqui entra uma síntese) também uma  “dualidade” implícita e as derivações que dela surgem como as essências do universo, as relações culturais, o valor que se dava ao corpo, saúde, sociedade e meio ambiente como um todo e em constante mutação. 
Segundo a tradição, tudo começa quando o Caos primordial se desfaz. Uma grande força possibilita o desabrochar de duas polaridades, as energias Yin e Yang. Destes dois princípios elementares nasceram as “dez mil coisas”. Em uma passagem do Tao Te Ching, de Lao Tzsu, temos uma descrição do que seria o Tao “...algo que é misterioso, informe e existe antes de haver Céu e Terra. Silencioso, quieto e vazio, pleno em si mesmo, imutável, circulando eternamente através dos espaços e tempos, incansável. É a mãe da miríade de coisas do universo...”. Todas estas “coisas” expressam o sopro original das polaridades Yin e Yang: calor-frio, feminino-masculino, dentro-fora, superficial-profundo, alto-baixo, úmido-seco, forte-fraco, luz-escuridão, aberto-fechado, côncavo-convexo etc. Já deve ser de conhecimento de muitos o signo: Yin - Yang. 

Proxima semana continuaremos com a segunda parte deste artigo.
Até lá!

Maurici Tadeu F Santos

Coluna Vertebral: dores, memória e história natural






por Maurici Tadeu Ferreira

A coluna vertebral parece ser o espelho da história do desenvolvimento humano. A postura ereta do homem está relacionada com uma das mais importantes mudanças da evolução de nossa espécie.

Ossos fossilizados e pegadas mostram que a adaptação fundamental do homem ao bipedalismo (andar ereto) se deu na África há aproximadamente quatro milhões de anos. Vestígios dos primitivos hominíneos bípedes, os símios meridionais, foram primeiro descobertos no Transvaal. Porém, a mais antiga e segura prova foi encontrada na região de Afar, na Etiópia.

Desde que estes proto-hominíneos desceram das árvores e iniciaram a exploração das grandes e vastas savanas Africanas, a coluna vertebral vem se ajustando às novas aptidões. Fora das árvores e eretos, os exploradores puderam ter as mãos livres para novas experiências. A “postura” mudou e trouxe consigo novas possibilidades – ou ao contrário - a “possibilidade” mudou e trouxe consigo nova postura?!?

As novas possibilidades que surgiam no horizonte exigiram novas responsabilidades e por certo novas adaptações e este é o código que carregamos ancestralmente até hoje quando usamos novas “posturas” frente aos novos desafios.

O Homo Sapiens moderno, ao nascer, traz sua coluna em forma de “C”, com a concavidade voltada para dentro. Quando o bebê consegue “virar-se” da posição de decúbito dorsal ou supino (barriga para cima) para decúbito ventral ou prono (barriga para baixo), ele assume novas possibilidades, contudo assume novos desafios e responsabilidades. Ele “tem” que estender seu pescoço para enxergar o que há pela frente, garantindo-lhe avançar e não ser sufocado. Mudando a possibilidade, deve adaptar-se e assumir novas posturas. Os graus de liberdade são conseguidos graças à lordose cervical. No processo de engatinhar e sentar, lentamente o bebê delineia a curvatura torácica e ao andar incorpora a lordose lombar (curva do quadril). Juntas, estas três curvaturas estabilizam o desenho fisiológico da coluna. Será que podemos encontrar semelhanças entre o “modelo” de crescimento do bebê e o “modelo” de crescimento da espécie? Podemos afirmar que a ontogenia “copia” a filogenia? Fica aí uma provocação ao leitor.

A postura adequada pressupõe harmonia entre as curvas da coluna com as tensões das cadeias musculares e com nosso “modo de andar a vida” o que naturalmente inclui emoções, expectativas, ansiedades, amores, decepções, trabalho, repouso etc.

A motricidade, que é o movimento carregado de significado, e o tônus humano engendram e ao mesmo tempo produzem impressões e projeções que são registradas e memorizadas em nossos organismos como atitudes, posturas, crenças, valores, desejos, símbolos e ideologias.

Ao deslocar-se de seu centro de referência, a postura inadequada cria memórias difíceis de apagar além de uma série de disfunções e patologias. Seguem-se as dores.

Para minimizá-las surgem grandes ou pequenas alterações como parte ou pacto de um concerto orquestrado de compensações e contenções. Os sintomas são o pranto do corpo, alertando-nos de que já basta. Se não construirmos uma trajetória de atenção e prevenção, estes sintomas vão quebrar-nos exatamente onde mais nos contivemos.

Há disfunções como as escolioses, por exemplo, que em suas manifestações mais graves representam, em última análise, o máximo de compensações que um indivíduo poderia fazer de forma a não sobrar-lhe mais espaços para manobras adicionais. As modificações geram dor e a memória a acompanha como uma sombra, de forma que por detrás de cada desvio há um significado resultante de uma experiência específica. Portanto, a relação de dor, memória e significado.

Maurici Tadeu F. Santos, Fisioterapeuta pela Universidade Federal de São Carlos-SP, Acupunturista pela Associação Brasileira de Acupuntura, mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo, consultor da Prisma - Projetos Integrados em Saúde e Meio Ambiente, colaborador da Vamus !