domingo, 7 de novembro de 2010

Coluna Vertebral: dores, memória e história natural






por Maurici Tadeu Ferreira

A coluna vertebral parece ser o espelho da história do desenvolvimento humano. A postura ereta do homem está relacionada com uma das mais importantes mudanças da evolução de nossa espécie.

Ossos fossilizados e pegadas mostram que a adaptação fundamental do homem ao bipedalismo (andar ereto) se deu na África há aproximadamente quatro milhões de anos. Vestígios dos primitivos hominíneos bípedes, os símios meridionais, foram primeiro descobertos no Transvaal. Porém, a mais antiga e segura prova foi encontrada na região de Afar, na Etiópia.

Desde que estes proto-hominíneos desceram das árvores e iniciaram a exploração das grandes e vastas savanas Africanas, a coluna vertebral vem se ajustando às novas aptidões. Fora das árvores e eretos, os exploradores puderam ter as mãos livres para novas experiências. A “postura” mudou e trouxe consigo novas possibilidades – ou ao contrário - a “possibilidade” mudou e trouxe consigo nova postura?!?

As novas possibilidades que surgiam no horizonte exigiram novas responsabilidades e por certo novas adaptações e este é o código que carregamos ancestralmente até hoje quando usamos novas “posturas” frente aos novos desafios.

O Homo Sapiens moderno, ao nascer, traz sua coluna em forma de “C”, com a concavidade voltada para dentro. Quando o bebê consegue “virar-se” da posição de decúbito dorsal ou supino (barriga para cima) para decúbito ventral ou prono (barriga para baixo), ele assume novas possibilidades, contudo assume novos desafios e responsabilidades. Ele “tem” que estender seu pescoço para enxergar o que há pela frente, garantindo-lhe avançar e não ser sufocado. Mudando a possibilidade, deve adaptar-se e assumir novas posturas. Os graus de liberdade são conseguidos graças à lordose cervical. No processo de engatinhar e sentar, lentamente o bebê delineia a curvatura torácica e ao andar incorpora a lordose lombar (curva do quadril). Juntas, estas três curvaturas estabilizam o desenho fisiológico da coluna. Será que podemos encontrar semelhanças entre o “modelo” de crescimento do bebê e o “modelo” de crescimento da espécie? Podemos afirmar que a ontogenia “copia” a filogenia? Fica aí uma provocação ao leitor.

A postura adequada pressupõe harmonia entre as curvas da coluna com as tensões das cadeias musculares e com nosso “modo de andar a vida” o que naturalmente inclui emoções, expectativas, ansiedades, amores, decepções, trabalho, repouso etc.

A motricidade, que é o movimento carregado de significado, e o tônus humano engendram e ao mesmo tempo produzem impressões e projeções que são registradas e memorizadas em nossos organismos como atitudes, posturas, crenças, valores, desejos, símbolos e ideologias.

Ao deslocar-se de seu centro de referência, a postura inadequada cria memórias difíceis de apagar além de uma série de disfunções e patologias. Seguem-se as dores.

Para minimizá-las surgem grandes ou pequenas alterações como parte ou pacto de um concerto orquestrado de compensações e contenções. Os sintomas são o pranto do corpo, alertando-nos de que já basta. Se não construirmos uma trajetória de atenção e prevenção, estes sintomas vão quebrar-nos exatamente onde mais nos contivemos.

Há disfunções como as escolioses, por exemplo, que em suas manifestações mais graves representam, em última análise, o máximo de compensações que um indivíduo poderia fazer de forma a não sobrar-lhe mais espaços para manobras adicionais. As modificações geram dor e a memória a acompanha como uma sombra, de forma que por detrás de cada desvio há um significado resultante de uma experiência específica. Portanto, a relação de dor, memória e significado.

Maurici Tadeu F. Santos, Fisioterapeuta pela Universidade Federal de São Carlos-SP, Acupunturista pela Associação Brasileira de Acupuntura, mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo, consultor da Prisma - Projetos Integrados em Saúde e Meio Ambiente, colaborador da Vamus !

Um comentário:

  1. Estava observando que muitas pessoas que usam ifone estão curvando demasiadamente a cabeça... acabam criando uma cifose, que parece ser mesmo irreversível, por parte acima dos ombros. se fosse apenas os ombros, se corrigiria com musculação.

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